Para Rita Sousa, tudo começou há 16 anos, quando estava grávida. Primeiro, chegaram algumas tonturas e um "pequeno zumbido" - "como o barulho que ouvimos quando estamos constipados". A situação só piorou durante a semana em que esteve internada, já depois do parto. Rita chegou a queixar-se ao médico que a acompanhava, que lhe receitou paracetamol. Mas nada parecia resolver a situação.
Nos meses seguintes, e com um recém-nascido nos braços, tanto as tonturas como o zumbido continuaram presentes e dificultaram muito a vida de Rita. "Comecei a ter perda de audição, mas o que mais me afectava eram as tonturas. Quando ia buscar o meu filho à creche, chegava a casa e havia alturas em que não me conseguia mexer. Tinha de ligar ao meu marido para vir tirar o bebé do carro. Acordava de noite com tudo à roda, com vómitos. No trabalho cheguei a ter um caixote do lixo ao lado."
Anos e anos sem um diagnóstico
Seguiram-se anos e anos em que Rita andou "desesperada" sem saber que problema tinha, a saltar de médico em médico, de consulta em consulta e de exame em exame. "Quando comecei a ser acompanhada no Hospital de Leiria esta doença era muito desconhecida. Só depois de ter consultas no Hospital de Santa Maria é que descobri que tinha Síndrome de Ménière e que o barulho que ouvia eram zumbidos", diz.
Acabou por deixar de ouvir quase por completo do ouvido esquerdo e as tonturas acabaram por ser apenas ocasionais. Por outro lado, o ruído começou a ficar cada vez mais forte. "Era muita coisa ao mesmo tempo, muitos barulhos, não estava habituada. Além de não ouvir, ainda tinha o zumbido, que me perturbava ainda mais. Estava sempre presente."
O volume dos tinnitus pode variar. Durante o dia-a-dia, no meio de tantos sons e barulhos, pode até passar despercebido e ser apenas perceptível no silêncio, como quando tentamos adormecer. Mas em algumas situações pode ser tão alto e com tantas variações que se torna incapacitante. A falta de sono e a incapacidade de viver a vida de forma normal ou até de trabalhar geram ansiedade. Para muitos doentes é difícil abstrair-se daquele som e isso pode realçá-lo ainda mais. E assim começa um ciclo vicioso.
Foi o ouvido direito que "salvou" Rita durante muitos anos. Trabalhar no atendimento ao público já era um desafio, mas sem escutar do ouvido esquerdo e com o direito a meio-gás, Rita tinha de fazer um esforço árduo para se concentrar e manter uma conversa. "Bastava a pessoa estar do meu lado esquerdo para não ouvir nada. Falavam para mim, chamavam e eu não ouvia e não respondia", conta.
Tornou-se difícil lidar com os colegas, mas ainda mais com os clientes, que não conheciam o problema de Rita e que por vezes "perdiam a paciência". "Uma vez chorei porque um cliente me tratou muito mal. Disse-lhe que não tinha conseguido ouvir e ele respondeu que então não devia trabalhar ali."
Durante muito tempo, apesar da medicação diária para controlar a situação, o zumbido não era estável, e mesmo as pequenas mudanças da rotina faziam com que este "disparasse". Bastava que Rita estivesse com fome, mais cansada ou stressada. Noutras vezes, nada de diferente acontecia e mesmo assim o barulho tornava-se insuportável.
"As minhas colegas às vezes riam-se porque falavam e eu não ouvia. A coisa que mais me custa é chamarem-me e eu não saber localizar a origem do som. É algo que ainda não consegui ultrapassar. Fico ridícula, olho para todo o lado. Tenho dias em que ando mais em baixo, mas sempre tentei não dar muita importância", conta.
A vida social tornou-se escassa porque Rita deixou de entender partes das conversas. Aprendeu a ler os lábios e a perceber grande parte das palavras, mas a pandemia trouxe as máscaras e passou a ter de pedir que repetissem várias frases.
"Às vezes, parecia que a minha cabeça ia rebentar, que me estavam a meter algo no ouvido. Quando ia a um sítio com barulho chegava à cama e ainda mais barulho ouvia. Ao deitar era complicado. Pensava: 'Vou enlouquecer, é hoje'. Havia dias em que estava esgotada. Queria muito ouvir, e precisava de ouvir, mas de ano para ano sentia-me mais cansada", relata.
Até que, em 2020, o Estado português passou a comparticipar a cirurgia de implante coclear e Rita teve luz verde para a operação, que aconteceu em Abril de 2021, no Santa Maria. Segundo explica Leonel Luís, director do serviço de Otorrinolaringologia deste hospital, um implante coclear é um tratamento "inovador e eficaz" que substitui a parte danificada do ouvido e "envia os sinais eléctricos directamente ao nervo auditivo" - ao contrário dos aparelhos auditivos, que apenas amplificam o som. O doente é elegível para um destes implantes desde que o acufeno esteja associado a "surdez importante", o que, segundo Leonel Luís, acontece em muitos casos.
A possibilidade de voltar a escutar do ouvido esquerdo com a mesma precisão de há 16 anos é grande, mas, até lá, a terapia da fala terá de continuar a ser uma parte crucial da vida de Rita. O ouvido que durante anos pouco ou nada captou está agora a aprender a decifrar sons. Alguns, como o barulho do saco plástico, já reconhece, mas conversas e frases inteiras ainda são difíceis de decifrar. Quanto ao zumbido, ainda está presente, mas melhorou bastante. "É constante, não há picos. É mais fácil lidar com ele, já estou habituada."
in https://publico.pt/tinnitus